O público visitante da pequeno vilarejo de Le Somail aumenta progressivamente, desde o início de julho. Os dias com maior número de visitantes estão entre quarta-feira e domingo e uma questão, que tem chamado muita atenção, ao longo destas semanas de observação: os grupos visitantes não conversam entre si.
Como descrevi na Enquête thématique n˚ 8, a maior parte do público que chega em Le Somail utiliza como principal meio de transporte o veículo de passeio individual e, às vezes, durante sua visita, combina-o com outros tipos de mobilidade, a depender de seu interesse por ampliar o espaço de visitação e suas experiências. Estes visitantes são majoritariamente adultos, com mais de 30 anos e idosos, que chegam em grupos e poucos usam máscaras.
O fato de que a maioria das atividades e serviços de A&B ocorrem ao ar livre, talvez contribua para este comportamento e os que persistem seguindo as orientações de uso das máscaras, são sobretudo idosos.
Os visitantes provém em sua maioria da Região Occitanie e, teoricamente, podem ser considerados excursionistas. O segundo maior grupo de visitantes também é composto por franceses, que veem de diferentes outros Departamentos e Regiões da França. Essa destacada presença de franceses foi constatada mediante a observação sistemática das placas dos veículos estacionados na cidade.
Além disso, a observação do comportamento dos visitantes permitiu observar que, em geral, eles param por algumas horas na cidade, situação que os enquadra em uma dupla categorização: são turistas regionais, com planos de viagem para distintos destinos na França, mas no vilarejo, assumem a condição de excursionistas. Dada essa situação, aqui serão todos denominados visitantes.
Viagem: um caminho para a introspeção?
Sendo os visitantes de Le Somail provenientes de diferentes departamentos e cidades da França, poderiam ter muitos assuntos sobre os quais debater, inclusive porque todos falam a mesma língua! Mas ledo engano, as conversas desenvolvem-se entre os integrantes dos grupos, mas muito raramente entre grupos.

Fonte: Elaboração própria (jul. 2020).
Devo reconhecer que essa conduta pode ter entrado na minha mira de observadora em razão do fato de que, no Brasil, sobretudo em cidades dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, é praticamente impossível não estabelecer conversas com outros visitantes, durantes dias de viagem. Poderia considerar que a ausência de interlocução entre os grupos de visitantes deve-se à grave situação sanitária vivida na França durante a pandemia do COVID-19; mas por quê, em sua maioria, eles não usam mais as máscaras?
Outro elemento que creio interferir nessa ausência de diálogo: a maior parte dos espaços de “socialização » e de fruição do tempo livre é composta por espaços privados – bares, restaurantes, sorveterias, livraria, museu, barcos de cruzeiro comentado, empresas de locação de barcos e bicicletas. Afirmo isso porque, como também discuti em outra Enquête Thématique (n˚ 8), os espaços e equipamentos voltados tanto à fruição da paisagem quanto ao lazer e socialização, são diminutos: há dois bancos instalados em uma das margens do Canal do Midi (comportam de 2 a 3 pessoas) [1] – em área não sombreada; uma mesa com bancos para pick-nick também na margem do Canal do Midi, em área sombreada; bancos instalados em uma praça localizada um quarteirão atrás do Canal; e duas mesas de pick-nick instaladas no estacionamento localizado nos arredores do núcleo urbano de Le Somail.

Fonte: Elaboração própria (jun. 2020).
A diminuta quantidade de mobiliário urbano em espaços públicos, instalados em locais pouco atraentes para a permanência dos visitantes, por consequência, limita os momentos favoráveis ao contato e à socialização. Os ambientes que integram os espaços das empresas que atendem os turistas, apesar de fisicamente possibilitarem estes contatos e situações de socialização, estão orientados para uma outra atividade fim, e, por isso, parecem colocar as relações sociais com outros visitantes em um quadro de atividades secundárias.

Fonte: Elaboração própria (jun. 2020).
Com quem os visitantes mais interagem? Com os prestadores de serviços, que são residentes em Le Somail, residentes de outros vilarejos e cidades do entorno regional, que trabalham nas empresas diretamente voltadas ao atendimento das demandas de lazer em mobilidade – explorar a cidade, conhecer seu entorno rural, ampliar o repertório cultural, experimentar formas distintas de mobilidade, descansar, e ainda, desenvolver-se física, cognitivamente e intelectualmente.
Há mesmo maneiras diversas de interação com os prestadores de serviços: exemplo disto são os cumprimentos e reservas de lugares nos restaurantes, realizadas por tripulantes de embarcações em movimento, no Canal, com prestadores de serviços já conhecidos, de estabelecimentos nos quais são « habitués ».
Neste contexto, a interação social está submetida a uma relação comercial e entre as limitações está o fato de que, um dos interlocutores, está interessado na venda de um serviço e, talvez, pouco disposto ou disponível para conversas francas e debates um pouco mais extensos, a respeito de temas inquietantes da atualidade.
As interações entre visitantes na maior parte dos casos restringe-se aos cumprimentos, falas breves para negociações de uso dos espaços públicos, solicitação de informações, sugestões de lugares para visitar ou de elementos à observar. Uma exceção precisa ser acrescentada em toda essa descrição: os viajantes em camping-car, segundo minhas observações, são os que mais interagem entre si.

Fonte: Elaboração própria (jun. 2020).
Mas como é difícil sustentar uma conversa com algum visitante… Vivenciei apenas duas experiências: 1) um com uma visitante francesa, proveniente da região de Lyon, que estava acompanhada de sua família (e seus acompanhantes, curiosos, pouco a pouco começaram a compartilhar suas ideias); 2) uma segunda conversa com um francês proveniente de Toulouse, que estava acompanhado por um casal de amigos (eles o apressaram a colocar fim na conversa e continuar a visita ao vilarejo).
Empreendi observações sistemáticas de campo tanto no período da manhã quanto no período da tarde, durante sete semanas consecutivas e propositalmente, alojei-me em uma mesa de pick-nick em frente ao Canal, lugar privilegiado para observações da distribuição de fluxos de visitantes pela cidade, bem como de seus comportamentos e relações. Meu « escritório » foi instalado em um equipamento de lazer da cidade e, de certa forma, obriguei os visitantes desejosos de desfrutar da sombra e do conforto dos bancos para um pequeno descanso, a fazê-lo em minha companhia ou a negociar a minha retirada para que pudessem instalar-se.
Adotando essa estratégia pude acompanhar um pouco os temas envolvidos em suas conversas e pela minha presença prévia no lugar, imaginava poder estimular o início de uma conversa, a partir dos pedidos gentis de autorização ou de anuência por parte daqueles que objetivavam compartilhar o espaço. Destarte meu esforço para sustentar os diálogos, as respostas são evasivas e a conversa não se prolonga; os integrantes dos grupos logo começam a reestabelecer as conversas entre si.
[1] Recentemente, a área ao redor destes bancos da margem do Canal do Midi passou por uma pequena manutenção: limpeza dos bancos e de seu entorno, com poda da vegetação.