São atividades estruturantes do turismo a hospedagem, a gastronomia, as mobilidades e o agenciamento e, portanto, as instituições de meios de hospedagem, os estabelecimentos de alimentos & bebidas, as empresas responsáveis pelos transportes e agenciamento especializado das mobilidades turísticas, bem como os atrativos, grandes motivadores dos deslocamentos. Nos diversos segmentos de atividades vinculadas aos serviços e produtos turísticos podem ser observadas situações que revelam pontos frágeis de processos, práticas profissionais, comportamentos e de opções de desenvolvimento.
No caso dos meios de hospedagem, os novos protocolos implicam cuidados redobrados com UH’s e áreas comuns, inclusive com a suspensão da oferta de serviços bastante lucrativos para estas instituições – bares e restaurantes, piscinas, salas de ginástica, spas, espaços de eventos. Há também a necessária adequação da oferta de serviços à capacidade de sua execução, segundo protocolos sanitários mais eficientes e responsáveis, sobretudo considerando os protocolos de limpeza e higienização praticados nos últimos tempos em muitas estabelecimentos de hospedagem.
Em alguns momentos, estes meios de hospedagem não tem conseguido colocar à disposição da demanda toda a sua capacidade de atendimento, na tentativa de equilibrar a frágil balança entre a recuperação dos resultados econômicos negativos dos últimos tempos, a má gestão financeira e uma demanda turística crescente, mas ainda instável e suscetível de impactos externos. Mas, de outro lado, há também instituições que conseguiram permanecer ativas após o período de lockdown e decidiram colocar parte ou a totalidade de suas UH’s em reforma, pensando na oferta de produto com maior qualidade e/ou modernizada, após a supressão das restrições de circulação e o começo da alta temporada turística.

Fonte: desenvolvimento próprio (jul. 2020).
Contribuições do Turismo para a saúde pública: um cotidiano delicado
O uso dos espaços públicos, privados (bares, restaurantes, lojas, mercados etc.) e meios de transportes, por sua vez, tem explicitado dificuldades na adoção distanciamento físico entre usuários, o que se dá não apenas pela dificuldade de revisão individual das práticas e comportamentos sociais, mas também pelas limitações de espaço físico e qualidade na oferta de serviço (horários, regularidade, capacidade de atendimento entre outros). O relaxamento do lockdown voltou a confinar todos em mobilidade, em meios de transporte com intensa frequentação, excesso de passageiros, dificuldades de operacionalização regular dos protocolos de limpeza e higienização.
No contexto dos estabelecimentos de alimentos & bebidas, três situações denunciam que práticas responsáveis, tanto em termos de saúde pública quanto mitigatórias dos contágios do coronavirus, não estão incorporadas nos âmbitos individual e institucional – o que vale para outros diferentes segmentos da atividade turística.
Na primeira delas, um profissional responsável pela preparação das mesas de um restaurante, carregando um bloco de toalhas de mesa de papel descartáveis (estilo jogo-americano), que seriam dispostas como base para a organização da louça e talheres. Enquanto caminha, passa os dedos na língua e depois na quina do bloco de toalhas de mesa de papel, para facilitar o manuseio das tais toalhas descartáveis e separar a folha que seria, imediatamente, transportada para o tampo de uma mesa, junto com uma quantidade imperceptível de saliva do profissional. Infelizmente, sobre essa toalha foram instalados copos, talheres e guardanapos a serem usados pelos clientes.

Source: McCandless (oct. 2014).
Segunda situação, recorrentemente observada em diferentes cidades turísticas da França: toalhas de papel descartáveis, copos de vidro, talheres e guardanapos são instalados sobre as mesas, mesmo em áreas externas ao espaço privado dos restaurantes, horas antes da abertura do estabelecimento para atendimento dos clientes. Essa antecipação nos preparativos dos restaurantes, em média quase 2 horas antes do início do serviço de atendimento, implica que o enxoval, louça e talheres fiquem expostos por horas, à diferentes tipos de contaminações, até que as mesas sejam efetivamente usada pelos clientes.

Fonte: desenvolvimento próprio (août 2020).
Por fim, a terceira situação: uma mesa de um restaurante é desocupada, um garçom entra no restaurante e pega um pano úmido para limpá-la para o próximo cliente (não é possível afirmar que o referido pano tenha sido umedecido com alcool ou outra substancia adequada à higienização, inclusive em tempos de pandemia) e retorna em direção à mesa. Contudo, eis que, no caminho, o pano cai no chão, da rua de paralelepípedos onde estão instaladas as mesas da área externa e pela qual transita pelo menos um número sem fim de clientes, ao longo dos dias e semanas, sem que esse pavimento seja lavado. Sem qualquer cerimônia, o garçom pega o pano que caiu no chão, dá uma leve chacoalhada e imediatamente dirige-se para a mesa que deve ser limpa, usando o mesmo pano para higienizá-la, pensando em deixá-la “própria » para uso pelo próximo cliente.
Saúde pública: um desafio coletivo
Apenas uma doença infecciosa pode ser considerada erradicada nesse início de século XXI: a varíola, segundo síntese publicada por Spinney (2020), considerando os estudos de Snowden a respeito da correlação entre pandemias e desenvolvimento social no mundo. No que se refere especificamente à imunidade global da população ao COVID-19, epidemiologistas ao redor do mundo acreditam que essa imunidade ocorrerá quando 60% a 80% da população tiver sido infectada e desenvolver resistência ao coronavírus. Cabe ressaltar que essa hipótese de imunização variará de lugar para lugar (a depender de fatores como interação social e densidade), assim como da comprovação da hipótese de que uma infecção anterior com o coronavírus é capas de proteger as pessoas no desenvolvimento da doença em uma segunda vez (POPOVICH, SANGER-KATZ, 2020).

Source: Popovich e Sanger-Katz (mai. 2020).
Em paralelo ao controle da situação sanitária, outras questões importantes, também relacionadas ao COVID-19, passam a ocupar mais espaço nos debates, relativas aos comportamentos sociais, violências, exclusões, sistemas de comunicação, problemas socioeconômicos, projetos políticos nacionais, modelos de desenvolvimento e de saúde pública. Contudo, como lembra Snowden (2019), “Although many people espouse health care for all, our globalized economic system militates against it — because profits are rarely invested where they were extracted — and we still seem to think that borders will keep disease out, even though they never have” (SPINNEY, 2019 apud SNOWDEN, 2019).
« Cada pessoa não é uma ilha » e a vida social não se resume a cada um no seu quadrado; continuamos lançando-nos solitários em um mar de dinâmicas insuperáveis individualmente, no qual boa parte dos recursos, processos e sistemas tecnológicos socialmente elaborados atendem inquestionavelmente às demandas sociais, mas também às demandas de reprodução do capital. Nem sempre nossas ações decorrem de reflexões, de um conjunto de pressupostos e valores, de um juízo que considerem um sentido coletivo, sustentável e uma vida social com qualidade de vida, reconhecendo a interdependência entre os seres humanos e da vida social.
Referências
McCANDLESS, David. 2014. The MicrobeScope – Infectious diseases. Disponível em: <https://informationisbeautiful.net/data/>. Acesso em: 26 agosto 2020.
POPOVICH, N.; SANGER-KATZ, M. The World is still far from herd immunity for coronavirus. The New York Times, 28 maio 2020. Disponível em: <https://www.nytimes.com/interactive/2020/05/28/upshot/coronavirus-herd-immunity.html>. Acesso em: 25 agosto 2020.
SPINNEY, L. How pandemics shape social evolution. Nature, 574, 324-326 (2019). Disponível em: <https://www.nature.com/articles/d41586-019-03048-8?utm_source=Nature+Briefing&utm_campaign=093e3be58a-briefing-dy-20200820&utm_medium=email&utm_term=0_c9dfd39373-093e3be58a-45149734>. Acesso em: 25 agosto 2020.